Editorial de Domingo
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Alguns de nós somos mais saudosistas que outros, é verdade. Não vejo nada de mal nisso, eu mesmo sou extremamente apegado a velhas traquitanas. Sonhando acordado vejo-me em outras eras.
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E não adianta apelar para leis preservacionistas, não, isso não existe. É mera balela, conversa para bois tolos dormirem. Qualquer espaço que interesse ao poder econômico é imediatamente demolido. É assim a lei da estupidez e da ignorância, e funciona magnificamente. Com uma eficiência exemplar. Coisas do Brasil!
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Ora, um violino nada mais é que uma caixa de ressonância onde cordas são presas e esticadas através de um braço que lhe serve de extensão. Friccionadas, essas cordas, por uma mexa de longos fios de rabo de cavalos, esticados através de um arco, geram a sonoridade peculiar aos violinos. Grosso modo é só isso, e o efeito é fantástico, dependendo de quem o manipula. Não é formidável?
Já um piano não, é tudo muito diferente, a tecla, ao ser acionada, inicia um processo, todo ele através de entalhes precisos na madeira, engrenagens, molas, feltros e etc. Finalmente, ao ser martelada a corda, um extenso processo mecânico antecedeu a formação do som que ouvimos. Ora, é natural que tal mecanismo, como qualquer mecanismo, gaste-se ao sofrer a ação do tempo não é? E se todo esse intrincado sistema não for mantido em perfeito funcionamento, (o que nem sempre é possível, pois as peças de madeira gastam-se quando em fricção com outras) o resultado é um instrumento com teclas pesadas, com pouca resposta sonora, lentas e... Impróprio para uso em uma sala de consertos, por um grande virtuose.
Pianos mais antigos, que nunca passaram por pequenos ajustes e reformas então, nem se fala, precisariam de uma reforma estrutural tão completa que, nem sei se valeria o custo da obra. Sem falar que a boa Liuteria não é tão fácil achar.
Pois bem, há uns trinta anos, esteve aqui na minha cidade para um recital, a grande Eudóxia de Barros, que marcou apresentação no Teatro Universitário. À época nada mais que uma minúscula sala, mal projetada de bancos desconfortáveis e quente. Mas que tinha como estrela, no palco, a abrilhantar-lhe, emprestando-lhe parte de sua fermosura, um magnífico e enorme piano cauda longa, próprio para concertos. Não me lembro se era um Steinway ou um Fritz Dobbert, ou outro qualquer, creio que já vão bem mais que trinta anos... Bem, não importa.
A grande pianista, ao chegar e examinar o instrumento, apesar da marca e modelo do mesmo, percebeu, naturalmente, que seria impossível um recital naquilo, aliás, naquele velho piano. E eu que estava lá desde cedo, lembrei-me que a poucos passos daquela sala, no prédio vizinho, o Conservatório, nesta época pertencente à Universidade Estadual, se não me falha a memória, encontrava-se no auditório do primeiro andar (o único, aliás) um Yamaha, também de cauda, novinho em folha, estalando de novo. Eu mesmo já havia tocado nele diversas vezes, e ouvira pianistas colegas meus, nele se apresentarem.
Quando a grande pianista viu-se neste impasse, houve certo mal-estar por parte dos organizadores do evento que, parece-me, por pura falta de conhecimento básico sobre música, marcaram um recital de piano num local em que o piano era uma verdadeira sucata. Muito bonito, de muito boa marca, mas, uma sucata. Coisas do Brasil.
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Não sei do tal piano do teatro, nem do Yamaha do auditório, talvez nem mais existam, mas, a pianista, a grande Eudóxia de Barros, é possível conhecê-la e à sua discografia através do belo Site http://www.eudoxiadebarros.com.br
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