The Last Quartets
"...no ponto que acabamos de espirar, chegamos supitamente a um rio, o qual per força havemos de passar em um de dous batéis que naquele porto estão, scilicet, um deles passa pera o paraíso e o outro pera o inferno: os quais batéis tem cada um seu arrais na proa: o do paraíso um anjo, e o do inferno um arrais
infernal e um companheiro."
infernal e um companheiro."
*(Está um Corregedor frente ao batel infernal em demorada discussão com o Diabo...)
"Estando o Corregedor nesta prática com o Arrais infernal chegou um Procurador, carregado de livros, e diz o Corregedor ao Procurador:
CORREGEDOR Ó senhor Procurador!
PROCURADOR Bejo-vo-las mãos, Juiz!
Que diz esse arrais? Que diz?
DIABO Que serês bom remador.
Entrai, bacharel doutor,
e ireis dando na bomba.
PROCURADOR E este barqueiro zomba...
Jogatais de zombador?
Essa gente que aí está
pera onde a levais?
DIABO Pera as penas infernais.
PROCURADOR Dix! Nom vou eu pera lá!
Outro navio está cá,
muito milhor assombrado.
DIABO Ora estás bem aviado!
Entra, muitieramá!
CORREGEDOR Confessaste-vos, doutor?
PROCURADOR Bacharel som. Dou-me à Demo!
Não cuidei que era extremo,
nem de morte minha dor.
E vós, senhor Corregedor?
CORREGEDOR Eu mui bem me confessei,
mas tudo quanto roubei
encobri ao confessor...
Porque, se o nom tornais,
não vos querem absolver,
e é mui mau de volver
depois que o apanhais.
DIABO Pois porque nom embarcais?
PROCURADOR Quia speramus in Deo.
DIABO Imbarquemini in barco meo...
Pera que esperatis mais?
Vão-se ambos ao batel da Glória, e, chegando, diz o Corregedor ao Anjo:
CORREGEDOR Ó arrais dos gloriosos,
passai-nos neste batel!
ANJO Oh! pragas pera papel,
pera as almas odiosos!
Como vindes preciosos,
sendo filhos da ciência!
CORREGEDOR Oh! habeatis clemência
e passai-nos como vossos!
PARVO Hou, homens dos breviairos,
rapinastis coelhorum
et pernis perdigotorum
e mijais nos campanairos!
CORREGEDOR Oh! não nos sejais contrairos,
pois nom temos outra ponte!
PARVO Belequinis ubi sunt?
Ego latinus macairos.
ANJO A justiça divinal
vos manda vir carregados
porque vades embarcados
nesse batel infernal.
CORREGEDOR Oh! nom praza a São Marçal!
coa ribeira, nem co rio!
Cuidam lá que é desvario
haver cá tamanho mal!
PROCURADOR Que ribeira é esta tal!
PARVO Parecês-me vós a mi
como cagado nebri,
mandado no Sardoal.
Embarquetis in zambuquis!
CORREGEDOR Venha a negra prancha cá!
Vamos ver este segredo.
PROCURADOR Diz um texto do Degredo...
DIABO Entrai, que cá se dirá!"
Gil Vicente
(*)O enunciado entre parêntesis é nosso