segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Laraaji / Roger Eno - Islands

                                 ISLANDS                                        
















 




"Micayon:  Não é correto, Mestre, matar para comer?

Mirdad:     Alimentar-se da Morte é tornar-se alimento da Morte. Viver das dores alheias é tornar-se presa da dor. Assim o decretou a Vontade Total. Toma conhecimento disto e escolhe o que hás de fazer, Micayon.

Micayon:   Se eu pudesse escolher, escolheria viver, como a fênix, do aroma das coisas, não da sua carne.

Mirdad:     Em verdade, uma excelente escolha. Crê, Micayon, que dia virá em que os homens viverão do aroma das coisas, que é o seu espírito, e não de sua carne e sangue. E esse dia não está longe para aqueles que almejam...

...De dois homens sentados em uma casa, um deles é o proprietário e o outro somente hóspede. O proprietário discorre prolixamente sobre o custo do prédio e da sua manutenção, sobre o valor das cortinas e dos tapetes, da mobília e dos outros utensílios. Enquanto isso, o hóspede abençoa em seu coração as mãos que lavraram as pedras, afeiçoaram e construíram a casa; as mãos que teceram os tapetes e as cortinas; as mãos que invadiram a floresta e a transformaram em janelas, portas, cadeiras e mesas, e o seu espírito se exalta à Mão Criadora que causou a existência de tudo isto.

  Em verdade, vos digo, que o hóspede é o habitante permanente daquela casa; enquanto o proprietário nominal é só uma besta de carga que a carrega nas costas, porém, não mora nela...

...De dois homens que compartilham com um bezerro o leite da mãe deste, um olha para o bezerro com o pensamento de que a sua carne tenra daria um bom assado para ele e seus amigos comemorarem o seu próximo aniversário; o outro pensa no bezerro como seu irmão de leite e está repleto de amor pelo animalzinho e por sua mãe.

Em verdade, vos digo, que o segundo é realmente alimentado pela carne daquele bezerro; enquanto que o primeiro é por ela envenenado.

Sim, companheiros, há muita coisa que deveria entrar no coração, e no entanto entra no estômago.

Muita coisa entra no bolso e na despensa, quando deveria ser fechada nos olhos e no nariz.

Muitas coisas são esmagadas pelos dentes, quando deveriam ser esmagadas pela mente.

É muito pouco aquilo de que o corpo precisa para sustentar-se. Quanto menos lhe derdes, mais ele vos dará de volta. Quanto mais lhe derdes, menos ele vos dará de volta.

Em verdade, vos digo, que as coisas que não vão para a vossa despensa nem para o vosso estômago vos nutrem muito mais do que aquelas que vão para a despensa e o estômago.

Uma vez que ainda não podeis viver somente da fragrância das coisas, tomai sem receio aquilo de que necessitais -porém não mais do que necessitais do generoso coração da Terra, pois a Terra é tão hospitaleira e amorosa, que seu coração está sempre aberto, para os seus filhos..."

 

 
 Mikhail Naimy







                                                                                                                                                            

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