Baithak Gana
Olá amigo Leitor, mais uma semana, mais um ciclo que encerrando-se abre caminhos para o novo. E, o que não é cíclico em nossas vidas? O pulsar ritmado do coração, a dilatação e contração dos pulmões, o correr obstinado do sangue por nossas artérias...
A Morte é nossa única garantia de imortalidade!
Digo isso, pois, não pode vir o novo sem antes o velho ser assolado por absoluta ruína. Como a Noite, principal testemunha, não do alvorecer, mas, da claridade meridiana, e que se põe em grande consternação em tributo ao Dia. E o pélago? Fiel confidente do distante porto seguro, arruina-se a si próprio por quinhão à terra firme. Assim, nós, ultrapassamos vários ciclos biológicos e muitos deles nem os percebemos, ultrapassamos também outros ciclos do mundo dos sentidos, o mundo fenomênico. Ultrapassamos as barreiras das semanas, dos meses, dos anos, séculos e milênios, apesar de ignorar-mos parte deles, e se os ignoramos é por mera incapacidade sensorial, entretanto ultrapassamo-os, mesmo que a maioria de nós sequer creia nisso.
A imortalidade não teria o menor sentido sem a Morte, ou seja, na ausência de ciclos, de repetições. Vida é movimento, ação, criação, descobrimento, renovação. Aquele Nirvana que alguns seguidores mais ortodoxos de algumas filosofias orientais ainda contemplam como real, a ausência de tudo, a sublime manifestação do nada, como dizem, que me perdoem, mas é a concepção mais tola que nós, humanos do planeta Terra jamais ousamos inventar, sim, é isso mesmo, uma tola invencionice fruto da lucubração mental de um povo milenarmente preso a ortodoxias místicas extravagantes, e, além de tudo maçante, entediante e aborrecida, até demais. Vida eterna num tal de Nirvana, onde não há personalidade, individualidade, onde não há anseios nem pequenos contentamentos, onde não há atividade nenhuma... Isso é vida eterna? A meu ver isso é a própria morte, a morte eterna. E viver assim não seria viver, seria, antes, morrer. Morrer eternamente.
Pessoalmente, prefiro levitar à média altura, sobre as copas das árvores mais frondosas, como só os espíritos sabem fazê-lo. E do alto, no telhado das moradas, observar meus queridos e seus queridos, e em silêncio dirigir uma prece em agradecimento ao Criador... Mas, por ora deixemos esses irmãos de lado, não os julguemos, afinal, equivocaram-se somente neste particular, ou seja, nesta visão de fim de todos os ciclos e posterior entrada num estado de pura contemplação beatífica espiritual, pura chatice! Mas, se não foram muito felizes na consecução deste conceito místico milenar (que ousadia a minha heim?) acertaram, e com sobeja, na forma auditiva de expressá-lo, ou seja, a Música. E, é este vasto assunto que pretendo discutir convosco, hoje, pelo menos uma pequena parte, neste pequeno intróito.
Bem, vamos, sem mais delongas, ao tema do artigo: A Música Indiana. A singularíssima música Indiana, difícil de ser mensurada, compreendida e apreciada no seu mais profundo âmago, (principalmente técnico), por ouvidos ocidentais educados e muito apegados, digamos, às nuances tonais européias, é, além de divina, uma vez que foi criada pelo próprio Krishna, humanamente completa e perfeita em sua exuberante complexidade formal. Historicamente é bem antiga e diversificada, originando-se da cultura de diversos povos cujo processo de transferência teve inicio há mais de 6.000 anos, segundo a história moderna, como o conceito dos Vedas, por exemplo, introduzido pelos Arianos, da Ásia ocidental, e, na música, o Sama veda por excelência, como construtor, ou antes, forte ajudante na construção da Arte clássica indiana, através do gita, do nrtya e principalmente do vadya, a música instrumental propriamente dita, e aqui, o que mais nos interessa.
Difere-se estruturalmente a música indiana da música ocidental, que tem a oitava dividida em 12 partes iguais, 12 semitons, no fato de a música indiana ter 22 partes, ou, 22 semitons "que se agrupam para formar os intervalos maiores que constituem as várias escalas e modos".
A Música clássica indiana pré-cristã apresentava duas escalas principais de sete notas. Eram seqüências de intervalos ascendentes. Cada nota tida como tônica da escala a que pertencia, originava 14 murchanas em grupos de sete pares. O suddha jati era considerado o modo puro de cada par, diferenciando-se do outro quanto à afinação da nota pa, que diferenciava as escalas básicas. Posteriormente surgiram os vikrta jatis, 11 modos mistos derivados de vários suddha jati. Os jatis cairam em desuso por volta do século VII, substituído pelo raga, que, pode o vocábulo ter conotação tanto de cor, como de paixão e até de deleite ou felicidade, querendo indicar, em verdade, o sentido acentuadamente emocional causado pela música de então, não que a antiga fosse desprovida do sentido místico emocional, não, uma vez que fora também obra de Khrisna, mas, o raga expunha com mais recursos técnicos esse sentimento particular. Uma única escala serve de base a vários ragas que se distinguem tanto pelas tessituras melódicas individuais quanto pela presença de uma nota em particular, que contrasta, em, digamos, oposição à tônica, e, também pelos sentimentos que evoca e produz, como Shanti, Bhakti e etc. (serenidade e devoção).
O raga, diferentemente da música ocidental por ser eminentemente emocional, íntima, mística e transcendental, ou seja, sempre se espera que algo ocorra durante sua execução, pelo menos no plano emocional do ouvinte, apresenta certas limitações, ou melhor, certas característica imprescindíveis à sua execução e à sua audição. Limitações causadas por circunstâncias físicas, emocionais e ambientais. Bem, é difícil explicar, mas digamos assim, a música ocidental pode ser executada e ouvida a qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer circunstância não é? (Na verdade não é, mas, consideremos por enquanto que sim) Já a música indiana, eminentemente a improvisativa, que tem sua atmosfera subjetiva peculiar relativa ao raga utilizado pelo intérprete, e que varia conforme os períodos do dia, algo como, certa melodia, própria para o amanhecer, tornar-se inadequada para execução ao entardecer, etc. tem lá essas características que devem ser respeitadas, tanto por parte do intérprete quanto por parte do ouvinte. Quero dizer, não podemos, inadvertidamente, pôr a rodar um disco qualquer, a qualquer hora... E quando me refiro à improvisação, devo lembrar que, embora seja a tônica principal do raga, (tônica aqui nada tem a ver com o termo técnico na musica) grande parte da música é formada por trechos já conhecidos pelo intérprete e pelos ouvintes, por já pertencerem ao domínio público, algo como as cantorias do nordeste brasileiro, em que freqüentemente, construções tradicionais entram sem parcimônia, nas construções e estruturas improvisativas pessoais dos músicos. Termos como: "Tocarei uma Improvisação do fulano de tal", são comuns, tanto na índia como no Sertão Brasileiro.
O ritmo é igualmente desconcertante para o iniciante. Sua exuberante pluralidade resulta em obstáculo de difícil transposição para ouvidos ocidentais. Os ciclos de tempos musicais não se organizam de forma simétrica como no ocidente. Há, por exemplo, um tala de 16 tempos divido em quatro grupos de quatro, que alguns comparam ao 4/4 ocidental, entretanto, não sendo iguais os grupos, o primeiro é mais forte enquanto o terceiro o mais fraco. Num compasso 4/4 ocidental, o primeiro é o forte, seguido do segundo que é fraco, o terceiro é também forte, mas não tanto quanto o primeiro e o quarto, fraco, e vai por aí, sempre nesta constância, e, sabemos, essa nuance diferencial entre o primeiro e o terceiro é tão conceitual, que atrevo-me a declará-lo: Dispensável. Quero dizer que é perfeitamente possível substituir um compasso quaternário (que me perdoem os colegas puristas, e, por favor, embainhem vossas adagas) por um compasso binário e continuamos tendo como resultado a mesma música. Será isso possível na rítmica indiana? Aliás, constância é o que se percebe com dificuldade na rítmica Indiana, pelo menos em relação ao ouvinte, já que o intérprete tem consciência plena de todo ciclo rítmico da música, mesmo que seja ele inaudível, em certo momento, e, creiam-me os mais céticos, são muitos esses momentos! Aliás, os momentos inaudíveis da ritmica indiana, são, absolutamente assombrosos (no bom sentido, se há).
Amigo leitor, o tema é agradabilíssimo de ser tratado, leve, interessante e de uma sublimidade admirável, entretanto extenso. Muito extenso para ser concluído em um único artigo. Portanto, para não ficar muito chato, deixemos para umas outras horas suas continuações. É, o amigo leu corretamente, tudo no plural mesmo...
Escrevo este texto com um velho vinil repousado no prato da vitrola com o braço engatilhado (do Pick-Up, naturalmente). Nele, o mestre Akbar Khan executa o tradicional Sindhu Rag Bhairavi. Que eu saiba é o primeiro LP a desvendar essa forma tradicional de música indiana ao ocidente, isso em 1955. Nos seguintes links o amigo leitor pode ouvir Akbar Kahn num breve intróito explicativo sobre o Sindhu Rag Bhairavi, ritmo e escala: AQUI e AQUI. O disco: Ali Akbar Khan Then and Now, The Music of Master Continues, pode ser encdontrado aqui mesmo, no pianoclassico.
Bem, agora, se me permitem, vou por a vitrola a rodar este disco e, engendrar viagens cósmicas pelo Ganges Universal: Os Cabelos de Shiva...
A Morte é nossa única garantia de imortalidade!
Digo isso, pois, não pode vir o novo sem antes o velho ser assolado por absoluta ruína. Como a Noite, principal testemunha, não do alvorecer, mas, da claridade meridiana, e que se põe em grande consternação em tributo ao Dia. E o pélago? Fiel confidente do distante porto seguro, arruina-se a si próprio por quinhão à terra firme. Assim, nós, ultrapassamos vários ciclos biológicos e muitos deles nem os percebemos, ultrapassamos também outros ciclos do mundo dos sentidos, o mundo fenomênico. Ultrapassamos as barreiras das semanas, dos meses, dos anos, séculos e milênios, apesar de ignorar-mos parte deles, e se os ignoramos é por mera incapacidade sensorial, entretanto ultrapassamo-os, mesmo que a maioria de nós sequer creia nisso.
A imortalidade não teria o menor sentido sem a Morte, ou seja, na ausência de ciclos, de repetições. Vida é movimento, ação, criação, descobrimento, renovação. Aquele Nirvana que alguns seguidores mais ortodoxos de algumas filosofias orientais ainda contemplam como real, a ausência de tudo, a sublime manifestação do nada, como dizem, que me perdoem, mas é a concepção mais tola que nós, humanos do planeta Terra jamais ousamos inventar, sim, é isso mesmo, uma tola invencionice fruto da lucubração mental de um povo milenarmente preso a ortodoxias místicas extravagantes, e, além de tudo maçante, entediante e aborrecida, até demais. Vida eterna num tal de Nirvana, onde não há personalidade, individualidade, onde não há anseios nem pequenos contentamentos, onde não há atividade nenhuma... Isso é vida eterna? A meu ver isso é a própria morte, a morte eterna. E viver assim não seria viver, seria, antes, morrer. Morrer eternamente.
Pessoalmente, prefiro levitar à média altura, sobre as copas das árvores mais frondosas, como só os espíritos sabem fazê-lo. E do alto, no telhado das moradas, observar meus queridos e seus queridos, e em silêncio dirigir uma prece em agradecimento ao Criador... Mas, por ora deixemos esses irmãos de lado, não os julguemos, afinal, equivocaram-se somente neste particular, ou seja, nesta visão de fim de todos os ciclos e posterior entrada num estado de pura contemplação beatífica espiritual, pura chatice! Mas, se não foram muito felizes na consecução deste conceito místico milenar (que ousadia a minha heim?) acertaram, e com sobeja, na forma auditiva de expressá-lo, ou seja, a Música. E, é este vasto assunto que pretendo discutir convosco, hoje, pelo menos uma pequena parte, neste pequeno intróito.
Bem, vamos, sem mais delongas, ao tema do artigo: A Música Indiana. A singularíssima música Indiana, difícil de ser mensurada, compreendida e apreciada no seu mais profundo âmago, (principalmente técnico), por ouvidos ocidentais educados e muito apegados, digamos, às nuances tonais européias, é, além de divina, uma vez que foi criada pelo próprio Krishna, humanamente completa e perfeita em sua exuberante complexidade formal. Historicamente é bem antiga e diversificada, originando-se da cultura de diversos povos cujo processo de transferência teve inicio há mais de 6.000 anos, segundo a história moderna, como o conceito dos Vedas, por exemplo, introduzido pelos Arianos, da Ásia ocidental, e, na música, o Sama veda por excelência, como construtor, ou antes, forte ajudante na construção da Arte clássica indiana, através do gita, do nrtya e principalmente do vadya, a música instrumental propriamente dita, e aqui, o que mais nos interessa.
Difere-se estruturalmente a música indiana da música ocidental, que tem a oitava dividida em 12 partes iguais, 12 semitons, no fato de a música indiana ter 22 partes, ou, 22 semitons "que se agrupam para formar os intervalos maiores que constituem as várias escalas e modos".
A Música clássica indiana pré-cristã apresentava duas escalas principais de sete notas. Eram seqüências de intervalos ascendentes. Cada nota tida como tônica da escala a que pertencia, originava 14 murchanas em grupos de sete pares. O suddha jati era considerado o modo puro de cada par, diferenciando-se do outro quanto à afinação da nota pa, que diferenciava as escalas básicas. Posteriormente surgiram os vikrta jatis, 11 modos mistos derivados de vários suddha jati. Os jatis cairam em desuso por volta do século VII, substituído pelo raga, que, pode o vocábulo ter conotação tanto de cor, como de paixão e até de deleite ou felicidade, querendo indicar, em verdade, o sentido acentuadamente emocional causado pela música de então, não que a antiga fosse desprovida do sentido místico emocional, não, uma vez que fora também obra de Khrisna, mas, o raga expunha com mais recursos técnicos esse sentimento particular. Uma única escala serve de base a vários ragas que se distinguem tanto pelas tessituras melódicas individuais quanto pela presença de uma nota em particular, que contrasta, em, digamos, oposição à tônica, e, também pelos sentimentos que evoca e produz, como Shanti, Bhakti e etc. (serenidade e devoção).
O raga, diferentemente da música ocidental por ser eminentemente emocional, íntima, mística e transcendental, ou seja, sempre se espera que algo ocorra durante sua execução, pelo menos no plano emocional do ouvinte, apresenta certas limitações, ou melhor, certas característica imprescindíveis à sua execução e à sua audição. Limitações causadas por circunstâncias físicas, emocionais e ambientais. Bem, é difícil explicar, mas digamos assim, a música ocidental pode ser executada e ouvida a qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer circunstância não é? (Na verdade não é, mas, consideremos por enquanto que sim) Já a música indiana, eminentemente a improvisativa, que tem sua atmosfera subjetiva peculiar relativa ao raga utilizado pelo intérprete, e que varia conforme os períodos do dia, algo como, certa melodia, própria para o amanhecer, tornar-se inadequada para execução ao entardecer, etc. tem lá essas características que devem ser respeitadas, tanto por parte do intérprete quanto por parte do ouvinte. Quero dizer, não podemos, inadvertidamente, pôr a rodar um disco qualquer, a qualquer hora... E quando me refiro à improvisação, devo lembrar que, embora seja a tônica principal do raga, (tônica aqui nada tem a ver com o termo técnico na musica) grande parte da música é formada por trechos já conhecidos pelo intérprete e pelos ouvintes, por já pertencerem ao domínio público, algo como as cantorias do nordeste brasileiro, em que freqüentemente, construções tradicionais entram sem parcimônia, nas construções e estruturas improvisativas pessoais dos músicos. Termos como: "Tocarei uma Improvisação do fulano de tal", são comuns, tanto na índia como no Sertão Brasileiro.
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