sábado, 7 de novembro de 2009

Schola Gregoriana Hispana

Editorial de Domingo                                                                               












   Há alguns anos, ainda jovem, trinta e poucos  por aí, já me havia retirado para um heremitério que finalmente libertar-me-ia dos ilusórios anseios que sempre afligiram minha mocidade, como de resto, a toda a humana idade. Pelo menos era isso que tolamente pensava. Não que tenha sido miraculosamente iluminado como um Buda, aos pés duma figueira ou, dum cajueiro, fruta regional mais apropriada a esta narrativa, não, nunca tive essa pretensão, mais apropriada aos santos e iluminados orientais. Sabia que qualquer mudança mental e espiritual demandaria algum tempo até ser atingida,  no meu caso, como sou mais retardado que a maioria, levei quase dez anos até poder dizer:    Estou medianamente amadurecido.

   Amadureci mesmo, após esses longos anos de vida monástica num sítio de um único habitante, por isso costumo chamá-lo de heremitério. Amadureci.
   Só não sabia que frutos maduros caem, despencam das alturas, esborracham-se ao chão.

  Nunca mais voltei às cidades, nunca mais...
   Também não virei santo, longe disso, aprendi a deplorar todos os santos e todas as religiões, no meu cantinho, na minha cela, sobre meu singelo catre aprendi a proteger-me da lascívia e lubricidade com tanto rigor quanto  das virtudes pudicícias humanas.

   Anteriormente a esta fase de reclusão, cultivara uma bela amizade de anos com um jovem colega também inconformado com as injustiças aparentes desta ilusória realidade. Discutíamos com freqüência sobre assuntos de gravidade, sempre no âmbito das filosofias e das religiões. Um bom amigo, que, na realidade, ajudou-me a suportar o fardo da existência durante alguns penosos anos, hoje percebo.


   Pois bem, já no heremitério, recebi, certa feita, uma visita desse amigo, que muito me alegrou, e muito me espantou. Saíra da cidade já havia dois anos, por aí, e como as visitas eram raríssimas, só o fato de ter com quem conversar por alguns dias sobre o que mais gostava, filosofia, me enchia de alegria. 

   Chegado a este ponto devo fazer uma pequena advertência, porque me refiro ao sítio como heremitério, não entendam que vivia recluso a um quarto, rezando ou praticando outras loucuras esotéricas, ao contrário, vivia em completa comunhão, ou tentava, com a Natureza, (representação da Força Criadora, o Princípio Essencial, depois falo sobre isso).


   Durante essa visita, em pleno inverno, divertimo-nos a valer, pescamos, nadamos, mentimos, bebemos e embriagamo-nos quase diariamente. Por fim, o bom amigo declarou-me suas intenções para o futuro, o que foi, a razão do meu espanto, como vos falei acima. Ora, o amigo declarou-me que resolvera abraçar a vida monástica, não fajutamente como eu o fizera. 
   Já homem maduro, comerciante, bem estabelecido, resolvera que entraria realmente para uma confraria onde levaria vida reclusa dedicada aos estudos e sem nenhuma compensação financeira.  Pessoalmente achei loucura do amigo, uma coisa é você viver num sítio,  realizando técnicas de meditação aqui e acolá, observando o passar das horas,  filosofando,  balançando-se em fresca rede de algodão,  tocando, escrevendo... Outra é você viver num seminário, seminário católico. Cativo de normas rígidas, mormente contrárias à  própria natureza humana,  escravo de regras inquestionáveis e absurdas numa rotina castradora deprimente.   Eu mesmo, durante minha meninice, tive a infeliz oportunidade de estudar em seminário católico, por isso, taxei logo de loucura, a pretensão dum livre pensador em abraçar a vida monástica católica.

   Abreviando,  para não enfadá-lo muito,  devo dizer que o bom amigo, que agora é padre numa capital do Sudeste brasileiro, com várias formaturas e detentor do divino dom da oratória, além da sua admirável inteligência e vasto acervo intelectual, há muito abandonou a reclusão e seus votos de pobreza, se é que algum dia os fez. Vive bem, come bem, veste bem, e já deve ter juntado um bom dinheirinho... Muito bem, estás de parabéns Padre Ocelo, bom amigo.
   Quanto a mim, a minha reclusão fajuta cedo findou, ganhei dessa experiência a adaptação ao campo, hoje me considero cidadão interiorano. Matuto, profundamente matuto, rastreio qualquer criação no mato, e sei, até pelo estado das fezes dele, se o bicho está longe ou perto, se vai, ou se vem,  monto qualquer animal e domino no laço, sem dificuldades, qualquer touro ou boi ou vaca. Bem, pelo menos há até bem pouco tempo...

    Bem, passaram-se anos até que vislumbrei a realidade, e a realidade é que não importa onde estejamos para venerar o Autor da Criação através da meditação:  num templo, numa grande cidade, num belo campo, a sós, em meio à multidão, em qualquer lugar, mesmo num monastério católico, podemos e devemos estar em eterna comunhão com o Criador, através de sua criação, preferencialmente aquela que nos circunda.


   Aproveitando este tema, lembrando que já fizemos várias postagens com músicas próprias para meditação,  nas mais variadas formas, desde as mais monásticas do Zen Budismo como a theravada, às mais simples, as mahayanas, músicas das mais variadas formas e nacionalidades, chinesas,  japonesas,  tibetanas,  indianas,  confessamos que estava-mos a falhar quanto a uma linda forma coadjuvante ocidental católica de meditação: "O Canto Gregoriano". O Cantochão, como é mais conhecido. Por sua unicidade vocal, ou seja, pela sua monofonia, pela sua linha melódica em uníssono, e pelas suas letras, geralmente trechos das escrituras hebraicas ou gregas cristãs, criam um ambiente formidável para a prática da meditação, da contemplação, sob qualquer formato e corrente filosófica. É realmente musica transcendental auxiliar na prática meditativa.

   O primeiro do que esperamos ser uma série, é o excelente grupo Schola Gregoriana Hispana. A forma de interpretação deste grupo “segue diretrizes marcadas pelos mais antigos manuscritos, vindos à tona através das mais recentes investigações sobre semiologia, ritmo e modalidades gregorianas”.


   Bem, agora que sabemos que pouco importa o ambiente em que estamos, que o importante é nosso estado vibracional, ou seja, nosso estado mental referente a uma determinada posição atingida através do desenvolvimento espiritual, podemos vislumbrar tudo com esta sereníssima claridade meridiana que nos diz que a busca do zen Budista pode ser a mesma do seminarista católico, desde que haja, em ambos, elevação espiritual suficiente para a comunhão integral com o Cosmo.

    Fiquem, portanto, com este excelente arquivo da Schola Gregoriana Hispana, e esperamos que essas transcendentais melodias sirvam como evocação aos elevados seres espirituais, que em uníssono, sempre estão dispostos a acudir-nos.

    Bom domingo, um forte abraço! 











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